Por outro lado, há um desconforto em vários setores da comunidade científica nacional com relação ao projeto e à maneira como ele será apresentado. Muitos pesquisadores desaprovam a maneira midiática que Nicolelis utiliza para divulgar suas pesquisas - neste caso, antes mesmo de ter um trabalho publicado para comprovar a validade científica dos resultados que pretende apresentar. Poucos, porém, estão disposto a falar sobre o assunto. Ao contrário do que ocorre entre o público leigo, Nicolelis e sua ciência são tratados como tabu por grande parte da comunidade científica.
Pesquisadores estão ansiosos para saber qual será o conteúdo científico da demonstração da Copa, visto que Nicolelis, apesar de sua vasta experiência em pesquisas com interface cérebro-máquina, não possui nenhum trabalho publicado com seres humanos que sirva como referência para o que vai ser demonstrado no dia 12. "O padrão na ciência é ter resultados publicados em revistas com revisão por pares antes de apresentá-los ao público", comentou um pesquisador da área. "Até onde eu sei, esse grupo não tem nenhum trabalho publicado sobre locomoção com seres humanos."
A principal dúvida científica refere-se a quanto do movimento do exoesqueleto será controlado diretamente pelo cérebro do paciente versus pelo próprio robô. "Funciona como um controle compartilhado, em que o cérebro gera mensagens que expressam o desejo voluntário motor do operador, como 'eu quero andar', 'eu quero parar', 'eu quero chutar a bola'. Esses comandos mentais interagem com os controles das articulações do exoesqueleto para fazer com que os movimentos sejam gerados", informou a assessoria do projeto.
O ineditismo tecnológico de uma interface desse tipo - em que o cérebro funcionaria, essencialmente, para ligar e desligar movimentos pré-programados no robô - seria pequeno, na opinião de alguns pesquisadores. Sistemas de interface cérebro-máquina baseados em eletroencefalografia (EEG) já são usados experimentalmente há anos para execução de tarefas simples, como operar teclados digitais, controlar cadeiras de rodas elétricas e até para "pilotar" pequenas aeronaves não tripuladas (drones). Neste caso, segundo os críticos, a demonstração da Copa se configuraria mais como uma exibição de robótica do que de neurociência.
Para Glauco Arbix, da Finep, trata-se de uma "discussão bizantina". "Se eu sou paraplégico ou tenho um filho paraplégico, e o robô me permitir andar normalmente, vou ficar muito feliz. Se eu tomo a decisão de andar e ele anda, ótimo", avalia.
Outra crítica frequente ao projeto é que Nicolelis, apesar de ser brasileiro, não representa a ciência brasileira, já que suas pesquisas com interface cérebro-máquina são desenvolvidas majoritariamente nos Estados Unidos, com dinheiro americano; e o exoesqueleto, apesar de ter sido pago com dinheiro brasileiro, foi praticamente todo desenvolvido e construído fora do País, sob a liderança do engenheiro de sistemas Gordon Cheng, especialista em "robótica humanoide" da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha.
Arbix rebate a crítica, argumentando que o que mais importa é o cérebro de quem concebe o projeto, e não onde suas peças são construídas. "Seria o mesmo que dizer que um avião da Embraer não é brasileiro porque seus motores são fabricados pela GE (nos Estados Unidos)", compara. "É um projeto da ciência brasileira, sem dúvida. Estamos na fronteira da geração do conhecimento, e isso é o que importa. Há pouquíssimas áreas no Brasil em que se pode dizer isso, e essa é uma delas."
O projeto Andar de Novo existe desde 2004. O convênio de R$ 33 milhões com a Finep, destinado à construção do protótipo e à realização dos testes clínicos com o exoesqueleto que será demonstrado na Copa, foi assinado em dezembro de 2012 e termina agora, em junho.
Nicolelis não informou o que pretende fazer com o exoesqueleto depois da Copa: se ele continuará a ser desenvolvido no Brasil (em São Paulo ou Natal) ou será levado para o seu laboratório nos Estados Unidos, ou o de Gordon Cheng na Europa. Também não informou se os pacientes que participaram dos testes na AACD continuarão a ter acesso à tecnologia nas próximas etapas do projeto. Nem explicou porque optou por montar um novo laboratório em São Paulo, em vez de aproveitar as instalações do seu Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), na capital do Rio Grande do Norte, que é a instituição de referência para sua produção científica no Brasil e que recebeu milhões de reais em investimentos públicos para compra de equipamentos e montagem de infra-estrutura nos últimos dez anos.
O valor investido na construção do protótipo chama a atenção pela grandiosidade. É de três a dez vezes maior do que o valor que qualquer um dos 37 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) da área de saúde recebeu do CNPq nos últimos cinco anos, por exemplo. E R$ 13 milhões maior do que o valor total do último edital lançado pela Finep para o desenvolvimento de tecnologias de auxílio a deficientes (de R$ 20 milhões), que deverá beneficiar dezenas de projetos em todo o País.
A expectativa para o futuro, segundo o presidente da Finep, é que o desenvolvimento tecnológico e industrial do exoesqueleto ocorra no Brasil, liderado por empresas brasileiras. "Esse ponto da continuidade é muito importante", afirma Arbix. "Temos uma oportunidade muito grande, não só de nos consolidarmos como um polo científico, mas também de abrir portas para uma série de segmentos industriais" - por exemplo, na área de desenvolvimento de novos materiais para serem usados no exoesqueleto. O protótipo, diz ele, "é apenas o primeiro passo numa caminhada que ninguém andou até agora".