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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

01 - O peso das FARC - Internacional

Guerrilheiros que largaram as armas enfrentam vários obstáculos, viram reféns dos próprios segredos e lutam contra a discriminação. O que trago são três relatos, de pessoas que escaparam, ou desistiram, da "causa"... (Material de Rodrigo Cavalheiro para O Estado de São Paulo)

Yineth Trujillo fugiu das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 2004, aos 17 anos. Ao pisar em uma cidade, levou o primeiro de uma série de sustos e traumas que marcariam sua adaptação ao restante do mundo. “Quase desmaiei ao ver uma TV. Foi como esbarrar em um extraterrestre.”
Yineth foi criada até os 12 anos num conjunto de 20 casas de madeira e chão batido, sem luz, estrada ou telefone, no Departamento de Caquetá, nas montanhas do centro do país. Deixou os pais quando a guerrilha prometeu treinar as crianças do vilarejo por três meses. Nos cinco anos em que serviu às Farc, esteve em dois combates grandes, nos quais perdeu cinco companheiros. Trocas de tiros eram frequentes, mas sua rotina era basicamente plantar coca, vigiar reféns, cozinhar e montar acampamentos. Segundo ela, a guerrilha já sabe se os sequestrados serão mortos ou devolvidos na hora da captura. Quanto à venda da pasta de coca para financiar a luta, não há dilema moral. “O discurso é: quem cheira e morre são os gringos, não os colombianos”, afirma.
Segundo Yineth, não há distinção de gênero ou idade na distribuição de tarefas. As crianças são adestradas para que qualquer crença em Deus ou saudade da família desapareçam. O treinamento, diz ela, masculiniza física e mentalmente os recrutas. “Você vira um homem mais. Chegar na cidade e colocar salto, brinco, uma saia curta e poder escolher cores é algo novo. Quando fugi, não sabia nem quais cores combinavam”.
Ser uma mulher na selva fez diferença quando os companheiros passaram a assediá-la. “Se um homem gosta de uma menina, diz ao comandante ‘camarada, quero passar a noite com ela’. Você pode dizer ‘não quero’. Mas aí o consentimento passa a ser uma ordem. E ocorre algo irônico: se 10 quiserem passar a noite com você, não se pode dizer não ao comandante. No fim do ano, você está numa lista como ‘a prostituta’.”
Em sua tentativa de dizer não, não surtiu efeito algum, foi estuprada “várias vezes”. Decidiu então “associar-se” - o equivalente na guerrilha ao casamento. “O chefe chega e diz ‘pronto, vocês agora são sócios’”, lembra. Mesmo sócia, uma mulher pode ser requisitada por um líder. Por isso, ela se uniu logo a um dos comandantes. “Nem simpatizava com ele. Não tinha sangue nas veias, tinha revolução. Mas era a forma de não ser mais estuprada”, afirma. “Ele dizia que gostava de mim, mas que se eu fugisse me mataria de maneira dolorosa.” .
Quando escapou, Yineth não via traço do igualitarismo que defendeu nos primeiros anos de doutrinação. “O comandante, quando ficava doente, era levado para hospitais e até para o exterior. Soldados e reféns morriam sem remédio”, diz. “Pensava: se ele faz isso aqui, imagina se governar toda a Colômbia?”
Minutos depois de escapar das Farc e “descobrir” a TV, Yineth foi golpeada por policiais. Perdeu o filho que nem sabia que tinha e, nos dias seguintes, teve seis parentes mortos e a mãe sequestrada pela guerrilha, em retaliação. Mudou-se para Bogotá. Nos últimos 10 anos, terminou o ensino médio graças um programa de reintegração de desertores do Estado, cujo principal obstáculo é a discriminação. Yineth interrompeu um curso técnico em contabilidade porque um dos professores recusou-se a graduá-la. “Sofri uma estigmatização tão grande que desenvolvi pânico.” A ex-guerrilheira tem duas filhas, de 5 e 9 anos. A mais velha sabe que ela pertenceu a um grupo armado. “Espero que não me julguem. Não falo a ninguém o que aconteceu comigo para protegê-las”.

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