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sexta-feira, 3 de julho de 2015

04 - Ouro na Índia - Sociedade/Economia

Avinash Baliga, o publicitário que apareceu no começo desta história, não é de se incomodar com diferenças religiosas. Até porque ele vive em meio a diferentes credos. Avinash é um hindu brâmane. O pai também, mas não pratica rituais. A mãe é católica. A namorada, jainista, adepta de uma religião dissidente do hinduísmo. E alguns de seus amigos são muçulmanos.
Ele nunca havia sentido o quão explosiva poderia ser a mistura de religiões presente no país até 26 de novembro de 2008. Para os indianos, é uma data como o 11 de Setembro nos EUA. Nesse dia, terroristas provocaram uma série de ataques em Mumbai. Gente que estava no trabalho, como Avinash, não sabia como voltar para casa (ou mesmo se deveria). Mais de 160 pessoas foram mortas e pelo menos 300 ficaram feridas. Os autores dos ataques eram muçulmanos. "Conflitos existem", diz Avinash. "Mas foi a primeira vez que um deles aconteceu tão perto a ponto de envolver gente conhecida." A verdade é que a tensão entre adeptos de diferentes credos nunca desaparece na Índia. Esse pode ter sido o pior ataque para Avinash, mas a história da Índia é repleta deles. E a explicação para isso está na convivência de muitos credos no país, o que nem sempre acontece em harmonia. Pra entender isso, comecemos pela fé que está na linha de frente no país: o hinduísmo.
Quem nasce hoje na Índia tem 80% de chance de cair em uma casa hindu. Ou seja, de entrar para uma família devota de uma ou algumas entre 330 milhões de divindades que representam a manifestação de um ser supremo, Brahman - exemplos dos mais populares são Shiva, considerado um destruidor, porém indispensável para a criação de tudo no mundo, e Ganesh, aquele com cabeça de elefante, deus da boa sorte. O hinduísmo segue firme e forte desde o surgimento dos Vedas. Mas lá pelo século 6 a.C., a coisa mudou. Guerras entre reinados do país provocaram mudanças constantes na política, no comércio e na sociedade. E as pessoas começaram a questionar as estruturas em vigor, entre elas o sistema de castas.
Um dos descontentes era Siddhartha Gautama, um príncipe que aos 29 anos iniciou uma jornada de iluminação espiritual. Ele achava que cada um deveria buscar a verdade a partir da própria experiência. Conhecido como Buda, seus ensinamentos viraram religião - e uma alternativa para os excluídos dentro do hinduísmo. Dalits têm se convertido em massa ao budismo nos últimos 50 anos. Na mesma época de Buda, outro descontente com o sistema de castas fundou o jainismo. Focados em alcançar a pureza da alma por meio da boa conduta e da não-violência, os jainistas são vegetarianos, para não ferir nenhuma forma de vida. Monges jainistas usam máscara na boca, para evitar engolir algum inseto, ou andam com vassouras, para não pisar em uma barata. Uma terceira dissidência do hinduísmo apareceu no século 15 - os sikhs. Eles acreditam que todos os seres são iguais. Fazem grandes refeições gratuitas em seus templos, mesmo para não adeptos. É fácil identificá-los nas ruas: eles usam turbantes para guardar os cabelos, porque não devem cortar qualquer pelo do corpo, como um símbolo de simplicidade. E, sim, isso inclui as mulheres.
Budistas, jainistas e sikhs são pouco mais de 3% da população. Em geral, se relacionam bem com os hindus. Os atritos maiores aconteceram com os sikhs, que sempre demandaram um território próprio. As faíscas levaram ao assassinato, em 1984, da então primeira-ministra Indira Ghandi por dois de seus seguranças, ambos sikhs. Mas a minoria mais forte (e inquieta) no país é a dos muçulmanos, 13,4% dos indianos. São os que ficaram mesmo após a comunidade ganhar um país só para ela, o Paquistão - uma vitória da pressão feita na época da independência da Índia. No dia-a-dia, muçulmanos e hindus tentam conviver em harmonia. Os hindus até misturam o hindi ao urdu, a língua adotada pelos muçulmanos. Mas ambos os lados preferem garantir uma distância segura. Em cidades e favelas, ruas servem de fronteira entre bairros dominados pelas duas religiões. Algumas famílias hindus evitam amizades com muçulmanos, e vice-versa. Os conflitos podem surgir em uma discussão sobre a Caxemira, território disputado por Índia e Paquistão, ou por um namorico entre adolescentes de fé diferente. É para que isso não aconteça que os muçulmanos oram em suas mesquitas, ao ouvir o chamado para a prece 5 vezes por dia. É também para pedir que tudo fique em paz que Avinash faz seu ritual todos os dias, ao acordar.

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