A ciência da gambarra
Um terço dos miseráveis do mundo está na Índia. Graças a esse problema, o país achou sua vocação para inovar: unir jeitinho e tecnologia para criar os melhores produtos que pobres consigam comprar.
Se trabalhar todos os dias, um morador de favela de Mumbai consegue até 3 mil rupias por mês em um emprego informal. Dá uns R$ 125. Com isso, ele paga o aluguel de um barraco, dos menores. Comer? Só se a família estiver no batente e colaborar. Ainda assim, vai ser difícil sobrar alguma coisa no fim do mês. Há 828 milhões de pessoas nessa situação na Índia, ganhando US$ 2 ou menos por dia. O país é tão miserável que abriga 33% de todos os pobres do mundo. E isso é um problemão. Quase 70% dos indianos passam longe de qualquer loja. Não tem crediário que os ajude a comprar geladeira, roupa, computador. Gastar com médicos e remédios, então, é luxo pra essa massa famélica. Para resolver a situação, a Índia se transformou num laboratório de inovação. Um batalhão de pesquisadores tem trabalhado para achar um jeito de deixar tudo mais barato. E eles têm duas vantagens. A primeira: o baixo custo para produzir qualquer coisa na Índia. Segunda: o país é um dos mais férteis em especialistas em tecnologia - enquanto EUA e Europa produzem menos de 100 mil engenheiros por ano, a Índia forma 1 milhão. Com uma gambiarra aqui, uma pecinha a menos ali, alguns têm conseguido resultados impressionantes. Dê uma olhada.
Jaipur foot
As histórias dos 60 pacientes atendidos por dia pela Jaipur Foot são parecidas. Falam de acidentes de carro, de ônibus e de trem. E todas terminam com uma mesma e grave consequência: amputação. É o que 25 mil indianos sofrem a cada ano. Considerando que a maioria dessas pessoas é pobre, não tem meio de transporte próprio e precisa trabalhar, uma amputação pode ser uma ameaça fatal. E a solução para o dilema, uma prótese, chega à casa dos milhares de dólares - 8 mil, em média, nos EUA. Mas alguém deu um jeitinho indiano nisso. Na década de 1960, um escultor se juntou a um grupo de especialistas em próteses para tentar desenhar e produzir uma prótese de pé que fosse mais anatômica e barata do que as importadas. Escolheram a borracha como matéria-prima, daquela usada pra fazer pneu mesmo. E estudaram o modo de se comportar do indiano: como lá as pessoas têm o hábito de andar descalças, a prótese tinha de ser resistente o suficiente pra não perder a sola por aí. E como o indiano costuma sentar-se no chão cruzando as pernas, a prótese tinha de ser flexível. Deu certo. Hoje, as próteses de pernas fabricadas pela Jaipur Foot, organização fundada por eles e sediada na cidade de Jaipur, custam US$ 35. Ou seja, 228 vezes mais barato do que uma prótese nos EUA – e tão eficiente quanto. Mas quem paga a conta são empresas e instituições que fazem doações, porque as próteses são entregues de graça aos pacientes. Com uma ajudinha dos fornecedores, que vendem as matérias-primas a preço de custo para a organização, as próteses da Jaipur Foot são as mais baratas do mundo. Mais de 20 mil são feitas todos os anos. "Dos nossos pacientes, 90% não teriam condições de comprar uma prótese", diz o diretor Sanjeev Kumar. Hoje, a organização exporta as próteses para 21 países, e tem recebido visitas de alunos e professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. Nos próximos meses, os americanos devem ajudar a modernizar as próteses indianas, o que as fará durar mais – o prazo de troca, hoje de até 3 anos, poderá chegar a 5. "Nós fazemos barato, mas eles têm acesso a tecnologias que não chegam aqui", afirma Kumar.
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