Não sei se estarei vivo até lá, e muitos dos que me leem talvez estejam comigo num outro plano. Mas seis voluntários que participaram do projeto Marte 500 voltaram a ver o
mundo exterior, depois de um ano e meio de isolamento em
uma cápsula construída em Moscou para pesquisar o efeito de uma viagem ao
planeta Marte para o organismo dos seres humanos.
Os seis homens, que passaram 520 dias em uma cápsula
em um estacionamento do Instituto de Moscou, abrirão às 10H00 GMT (08H00 de
Brasília) de sexta-feira a comporta do módulo que havia sido lacrada no dia 3 de junho de 2010, e foram levados para ser
submetidos a uma bateria de exames médicos.
A equipe integrada apenas por homens é formada por três russos (dois médicos
e um engenheiro), um astronauta chinês em treinamento e dois engenheiros
enviados pela Agência Espacial Europeia (ESA), um francês e um
ítalo-colombiano. O experimento simulou um "lançamento" em junho do
ano passado e o "pouso" em Marte em fevereiro. Os voluntários
realizaram "caminhadas espaciais" com o traje completo em um
espaço preparado com areia antes de deixar o planeta vermelho e "voar" de volta para a Terra.
"Penso que estão em um período de alta expectativa. Eu diria que os rapazes
estão com muito bom humor. Sabem que realizaram algo realmente grande", disse na
terça-feira Mark Belakovsky, vice-diretor do programa. "Passar 520 dias com pessoas de diferentes grupos,
diferentes nacionalidades e mentalidades não é nada fácil. Eles se comportaram
de forma notável", declarou Belakovsky à AFP.
O projeto chegou a ser ridicularizado, já que a experiência não saiu do solo,
sem a ausência de gravidade, como em um voo real. Mas os organizadores seguiram
estritamente as regras de um voo real, inclusive com os 20 minutos de atraso nas
comunicações. As agências espaciais que se associaram ao projeto Marte 500 disseram que a
experiência desempenhou um papel fundamental ao provar que pessoas são capazes
de enfrentar a solidão e a frustração de uma longa viagem para Marte e
retornar.
"Efetivamente, a tripulação pode sobreviver ao isolamento inevitável para uma
missão a Marte e retornar", disse Patric Sundblad, cientista da ESA no site da
entidade. "Do ponto de vista psicológico, podemos fazê-lo", acrescentou. Os voluntários, vestidos com uniformes azuis, passaram todo o tempo, exceto
na "aterrissagem" a Marte, em um complexo hermeticamente fechado de quartos
minúsculos, acompanhando ordens dos líderes do projeto e se alimentando das
reservas especialmente planejadas.
Nos últimos dias do experimento, os voluntários estiveram simulando a
"trajetória em espiral em direção ao campo de gravidade terrestre", explicou o
site oficial do experimento. Os seis cientistas permanecerão em quarentena até o dia 8 de novembro, disse
Belakovsky, já que especialistas expressaram preocupações sobre sua eventual
vulnerabilidade a doenças de inverno, embora testes indiquem que se encontram em
bom estado de saúde.
Na mudança mais evidente desde o "lançamento" em direção a Marte, no ano
passado, o comandante da equipe, o engenheiro russo Alexeo Sityov, passou a
exibir uma enorme barba, como foi visto em um vídeo divulgado pelos
organizadores. "Não acredito que seja difícil para eles se adaptar à vida normal, porque os
psicólogos trabalharam muito intensamente com eles. Acredito que a adaptação
será fácil", disse Belakovsky.
A Rússia e a ESA consideram que uma viagem tripulada a Marte pode tornar-se
realidade no ano 2040. Tentando fazer as contas, estarei bem velhinho até lá, ou talvez nem mais esteja, mas o sonho da viagem talvez possa ser antecipado, e ao invés de 500 dias, tenhamos uma jornada um pouco mais curta...
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