Foi pensando nessa limitação que o ecologista Steven Running resolveu desenvolver o estudo, que será publicado pela "Journal of Geophysical Research". O pesquisador lembra que há, distribuídas pelo planeta, 11.119 estações cadastradas na Organização Meteorológica Mundial (OMM). Isso equivale a apenas um ponto de temperatura monitorada a cada 13 mil quilômetros quadrados de superfície terrestre. Fica evidente, portanto, a existência de regiões tão remotas que são ignoradas por aquela instituição.
"Os desertos quentes do planeta, como o Saara, Gobi (entre China e Mongólia) e Sonora (EUA e México) são climaticamente rigorosos demais, e o acesso é tão remoto que uma medição de rotina da temperatura, ou a manutenção de uma estação, são impraticáveis" explica Running. "A maioria desses pontos é ignorada por equipamentos instalados em solo. Os satélites, porém, nos dão uma visão contínua da superfície, permitindo uma observação igual tanto destas áreas quanto de outras mais alcançáveis".
Running usou um dispositivo em dois satélites: o Terra, lançado em 1999, e o Aqua, no espaço desde 2002. Conhecido como Modis, este instrumento passa diariamente por toda a superfície da Terra e pode detectar a energia infravermelha ali emitida. Assim, pode calcular as temperaturas e "preencher as lacunas" entre as estações meteorológicas.
A equipe americana fez as medições por sete anos, a partir de 2003; em cinco deles, o Deserto de Lut foi o que registrou temperaturas mais altas. As exceções foram 2003, quando o título ficou para a província de Queensland, no norte da Austrália (com 69,3º C) e 2008, período em que venceram os 66,8º C da Bacia de Turfan, na China.
A influência da cobertura vegetal sobre as medições ainda deve ser avaliada, segundo o estudo; por isso florestas como a do Congo podem não ter marcado presença entre os locais mais cálidos do planeta. No entanto, com o desmatamento à toda em diversas regiões tropicais, aliado a mudanças climáticas e à intensificação de eventos extremos, é provável que Lut, Queensland e Turfan tenham mais concorrentes nas próximas décadas.
Ex-chefe da Divisão de Satélites do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe, Carlos Frederico de Angelis acredita que o levantamento da Universidade de Montana pode ter minimizado a quentura de alguns endereços do Hemisfério Sul.
"Essa distribuição dos locais mais quentes deve ser mais homogênea" avalia o cientista, agora coordenador-geral de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). "É fato que o nível de observação dos satélites é muito reduzido no Hemisfério Sul. A maioria dos países desenvolvidos, que tem condições financeiras e interesse para desenvolver pesquisas, está no Norte. Além disso, há muito mais terras naquele hemisfério do que no nosso".
Para a bióloga Ana Elisa Silva, também do Cemaden, temperaturas como a registradas pelo estudo "não são viáveis para a vida humana. Há micro-organismos que se desenvolvem em locais extremos. Alguns fungos, por exemplo, conseguem se viver a mais de 100 graus Celsius. Nosso corpo tem mecanismos para manter a temperatura interna, que é de 36 graus, mas ele não conseguiria se ajustar naturalmente, sem recorrer a qualquer recurso, a uma condição tão radical".
Ana Elisa ressalta que há pessoas "que conseguem um controle do corpo incomum" para se adequar a ambientes inóspitos, mas tratam-se de exceções. Algumas estranham mesmo temperaturas bem mais amenas.
Gosto muito do calor, mas algo acima de 35º C, ultrapassa meus limites toleráveis. E fico vendo a neve pela televisão imaginando o isolamento, como nas regiões de Vladvostok (Russia), tão geladas e extremas, que podem parecer um deserto...
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