Dizem que algumas pessoas tem memória de Elefante. Isso por que o simpático paquiderme, sempre lembra de quem fez algo a seu favor, ajudou ou cuidou. O americano Robert Petrella tem uma memória fora do comum: ele é capaz de
memorizar todos os números de telefone armazenados em telefones celulares e, ao
olhar uma única fotografia de um lance de um jogo do seu time de coração, o
Pittsburgh Steelers, é capaz de dizer a data da partida e o escore final.
Petrella tem uma síndrome raríssima, chamada Memória Autobiográfica Altamente
Superior (HSAM, na sigla em inglês), na qual o paciente não se esquece de quase
nada do que aconteceu com ele na vida.
Quem tem essa condição é capaz de se lembrar o que comeu no almoço hoje ou
três anos atrás, ou de recordar com detalhes as notícias que leu no jornal há
décadas. Mesmo se quiserem, essas pessoas não podem apagar memórias como o fim
de um namoro ou as lembranças de um acidente. "Eu notei isso durante o ensino
secundário, me dava conta que nem todos recordavam o que eu conseguia lembrar, e
pensava que era algo incomum, como ser canhoto ou algo assim. Mais tarde, notei
que isso tinha outra dimensão. Sempre tive facilidade nos exames, pois lembrava
de tudo sem ter feito revisão dos tópicos", disse Petrella à BBC.
Para o americano, a síndrome acaba sendo bastante útil em sua profissão, já
que ele é produtor de documentários para o History Channel e o
Discovery Channel. "Às vezes, me recordo de algo que alguém disse há 30
anos, coisas que as outras pessoas não lembrariam, porque foram ditas no
momento, e isso pode tornar as relações raras", diz Petrella. "Mas não tenho
problemas em viver no passado. As recordações estão na minha cabeça e são parte
de mim, mas não me impedem de viver o hoje e olhar para o futuro."
A HSAM é tão difícil de ser identificada que até
então apenas 20 pessoas no mundo - todas nos Estados Unidos - haviam sido
diagnosticadas com ela. Mas um programa sobre a síndrome exibido pela rede de TV
americana CBS, e visto por pelo menos 24 milhões de pessoas, ampliou o
conhecimento sobre a HSAM. Desses telespectadores, 500 entraram em contato com os pesquisadores por
acreditarem que tinham HSAM. Mas apenas 10 foram confirmadas com a síndrome. Há
apenas cinco anos essa condição começou a ser chamada de Memória Autobiográfica
Altamente Superior, quando o especialista em memória James McGaugh publicou um
artigo sobre seu estudo de seis anos de uma paciente com os sintomas.
O quadro já foi retratado na ficção, como no conto Funes, o Memorioso,
do argentino Jorge Luis Borges, e na série de TV Unforgettable
("Inesquecível", em inglês), que acaba de estrear nos Estados Unidos.
"Provavelmente há pessoas com essa síndrome há séculos, mas suas bases nunca
haviam sido investigadas cientificamente. É um quadro muito raro", afirmou
McGaugh à BBC. Para reconhecer a HSAM, os cientistas fazem testes médicos
e avaliam os potenciais candidatos com um questionário de acontecimentos
públicos ocorridos nos últimos 20 anos. Fatos que vão desde eleições a
competições, passando pela a entrega de prêmios e até acidentes aéreos.
Uma pessoa com a Memória Autobiográfica Altamente Superior seria capaz de
dizer a data precisa e o dia da semana em que os eventos ocorreram, além de
outros detalhes. Os que obtêm mais de 55% no teste são então interrogados sobre
experiências mais pessoais.
"A família nos dá fotos ou diários para que a gente
tenha dados precisos e assim provar as informações das quais eles dizem se
lembrar. É muito, muito difícil que um indivíduo que registre (dados como esse)
além de um certo tempo, como um nível de detalhes tão específico", afirmou
McGaugh. Por isso, eles foram apelidados de "Googles humanos". É o caso de Brad Williams, de 55 anos, que vive em Wisconsin. "Me dei conta
(da síndrome) participando de concursos de perguntas em bares. Sou fanático por
esses concursos e sempre fui melhor e mais rápido do que o restante das
pessoas", disse Williams. "Isso também acontece em episódios familiares: eu
sempre consigo lembrar de datas específicas e detalhes de tudo."
Williams diz que ser ter HSAM lhe traz algumas vantagens específicas em seu
trabalho como jornalista. "O que eu de fato preciso armazenar ou buscar na
internet é um volume bem menor de informações do que o que já está na minha
cabeça."
No entanto, nem todos os que possuem esse tipo de memória festejam sua
condição. É o caso de Jill Price, a paciente que procurou especialistas por não
poder mais suportar seu constante exercício de se lembrar de tudo. Foi o caso
dela que serviu de gatilho para os estudos. "É incessante, incontrolável e
imensamente cansativo. As lembranças vêm, simplesmente chegam na minha mente.
Não posso controlá-las", escreveu Price em sua autobiografia The Woman Who
Can't Forget (A Mulher que Não Consegue Esquecer, em tradução livre do
inglês).
Em seu caso, a HSAM acabou complicando suas relações com as pessoas. Entre os
pacientes de McGaugh, não há nenhum casado ou com relações estáveis. No entanto,
o especialista afirma que casos de insatisfação como os de Price são a minoria.
"A maioria acredita que é um dom. Se questionados se prefeririam não ter a
síndrome, eles dizem que não mudariam isso por nada."
Entre esses pacientes, está a atriz Marilu Henner,
conhecida pela série de TV Táxi, do fim dos anos 1970. Para ela,
visualizar a vida em forma de um calendário tornou mais fácil a tarefa de atuar.
A atriz agora dá palestras motivacionais e escreveu um livro para ajudar outras
pessoas a ativar sua memória autobiográfica.
O neurobiólogo McGaugh considera, no entanto, que a HSAM é uma condição
pré-existente, que se mantém ao longo do tempo e que ainda carece de explicações
neurológicas. Por ora, a recomendação aos portadores da síndrome é que não
encarem sua condição como um grande peso e que não se exponham a circunstâncias
traumáticas. Não são bons candidatos, por exemplo, para se alistarem no Exército
ou seguir para a guerra.
Lembranças, algumas inesquecíveis, outras completamente desnecessárias virem à tona. Algumas situações trágicas que normalmente nosso cérebro "esquece" colocando de lado, e bloqueando o acesso. Outras que causaram grande desconforto e decepção... Agora entendo por que algumas pessoas dizem que bebem para esquecer...
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